Relações, Conflitos e Contribuições entre a Filosofia e a Psicanálise
Metapsicologia e Weltanschauung (cosmovisão).
Antes de refletir sobre o verbete Weltanschauung
é indispensável ver algo sobre o verbete metapsicologia. (Freud,
1932-1936-1996).
Segundo Laplanche e Pontalis (1998) metapsicologia
é um termo pensado e criado por Freud para qualificar a psicologia que ele
criou; assim considerada na sua dimensão mais teórica. A metapsicologia elabora
uma série de valores que vão além do experiencial. Um termo que poderia ser
equiparado a metafísica em filosofia. Algo que vai além da física, além do
palpável, que se pode ver.
O termo metapsicologia, segundo Laplanche e Pontalis (1998), encontra-se
nas cartas de Freud a Fliess. Ele, Freud, utiliza um termo para falar da
originalidade da psicologia e, conseqüentemente, edificá-la. Metapsicologia
leva ao outro lado da consciência; vai além do perceptível que as psicologias
vigentes tratavam.
Ainda, segundo Laplanche e Pontalis (1998), trata-se da reflexão de Freud
sobre as relações entre a metafísica e a metapsicologia que vai além desta
simples aproximação: define a metapsicologia como passagem significativa, como
uma tentativa científica de restaurar as contribuições metafísicas; estas, como
as crenças supersticiosas ou certos delírios paranóides projetam em forças
exteriores o que, na realidade, é próprio do inconsciente.
Ainda, segundo os mesmos autores, Laplanche e Pontalis (1998), a
preocupação de Freud em cunhar o termo metapsicologia, demonstra a sua vocação
e gosto filosóficos, relatados por ele mesmo em suas cartas dirigidas a Fliess.
E suas reflexões sobre as relações entre a metafísica e a metapsicologia
ultrapassam a simples aproximação; querem definir a metafísica como uma
passagem significativa, tentando cientificamente dar novo vigor às construções
metafísicas. Todo esse esforço vai desembocar na psicologia do inconsciente
seria converter a metafísica em metapsicologia.
Assim sendo, seguindo o raciocínio dos dois autores Laplanche e Pontalis
(1998), a genialidade de Sigmund Freud neste sentido está em criar para a sua
psicologia do inconsciente um termo equivalente ao termo filosófico:
metapsicologia. Assim, como na filosofia, a metafísica é o discurso que fala do
que vai, está para além da física, na psicologia freudiana, a metapsicologia é
o discurso que diz algo do inconsciente, do não lógico, do não descritível. O
descritível já era dito pela psicologia de então.
Metapsicologia, Jones (1989), obra arrojada para a época, bastante
corajosa e de um cunho especulativo extraordinário; com ela, Freud revelou uma
ousadia especulativa que era única em todos os seus textos. É bastante evidente
que o público dessa obra era o próprio Freud e foi escrita na esperança de
esclarecer problemas que inquietavam a ele mesmo, Freud.
Observando o comportamento da criança, história do jogo da criança,
comentou o apego das crianças pela repetição dos jogos, histórias, independente
de serem agradáveis; essa observação o levou a investigar se havia algum
princípio, independentemente do princípio de prazer-desprazer, sugerindo que
havia o princípio que deu a denominação de compulsão à repetição.
Quanto ao verbete Weltenschauung,
segundo Freud (1932, 1936), a psicanálise não tinha competência para criar uma Weltanschauung própria; é a psicanálise
que deveria se adequar aos princípios científicos vigentes. Em outras palavras,
é a psicanálise que teria de se adequar, conquistar seu espaço no status
científico de então. E, sem se tornar a-científica ele criou um método novo, ou
uma linguagem nova, sem fugir dos padrões científicos. Weltanschauung: não há uma tradução exata deste termo alemão.
É uma construção intelectual, que pretende solucionar todos os problemas
da existência humana.Pretende não deixar nenhuma pergunta sem resposta e nela
tudo que nos interessa encontra seu lugar fixo; expressa os desejos ideais do
ser humano: encontrar resposta para tudo ( Freud, 1936/1996).
Segundo Freud (1936), Weltanschauung,
sendo sua natureza e objetivo dar respostas ao homem, não pode construir por si
mesma sua própria Weltanschauung.
Isto torna-se fácil, no que diz respeito a psicanálise. Sendo de natureza
psicológica, ela terá que recorrer à ciência; isto é, aceitar uma Weltanschauung científica. A Psicanálise
não pode ser acusada de ter rejeitado aquilo que é mental. Naquele momento
histórico, foi ela que se propôs fazer uma ciência da mente, sondar a psique
humana, seguindo os rigores científicos. Essa é sua grande contribuição à
ciência: sondar a área mental, numa proposta científica. Não se pode esquecer
que essa sondagem não ignora os aspectos emocionais humanos.
A Filosofia e a religião são duas realidades que se interligam ou se
interpõem uma a outra para a busca do conhecimento. Isto não pode ser ignorado.
A verdade não admite conciliações ou limitações; e a pesquisa considera como
sendo sua todas as atividades, todas as esferas do agir humano e, deve sim, ser
crítica constantemente se algum outro poder tenta arrebatar-lhe alguma parte.
O mesmo autor diz que a filosofia não se opõe à ciência; comporta-se como
esta e, de certa forma, trabalha com os mesmos métodos. Diverge, porém, da
ciência quando esta atribui a si a ilusão de ter a capacidade de apresentar um
quadro do universo (explicação) que seja sem falhas e coerente.
A filosofia não tem influência na grande maioria das massas; ela é objeto
de interesse a uma pequena minoria (intelectuais, letrados, etc). A religião,
ao contrário, exerce um poder muito forte sobre as massas.
No animismo, onde não havia deuses e nem religião, o mundo era habitado
por seres espirituais semelhantes aos homens: demônios; o homem dá-lhes esses
nomes.
Eram hostis aos homens; contudo, parece que o homem era mais
auto-confiante que posteriormente. Não fazia prece para solicitar algo aos
deuses, (chover, por exemplo); mas realizava um ato mágico para influenciar a
natureza; a magia é arma mais potente contra os poderes do mundo. Era o ato
mágico o mais antigo precursor da tecnologia de hoje. O pensamento para os
homens, nesse momento, era onipotente. Esse poder da mágica foi,
posteriormente, assumido pela religião. Disse Deus: ‘faça-se a luz’. E a luz
foi feita.
Ainda, segundo Freud (1936), a
filosofia conserva aspectos da vida e contribui para que esses valores
perdurem, fazendo parte da história humana; aliás, o papel da filosofia é
tecer, construir e conservar esses valores entre os povos. Preceitos e
preconceitos são passados de geração a geração. Surge assim a ética, (sem
vínculo religioso, num primeiro momento), para conservar e passar valores e
preceitos às futuras gerações. Isso é uma necessidade. Como a história teria
continuidade, sem vínculos fortes que a conservasse?
O julgamento da ciência sobre a Weltanschauung
é este: enquanto as religiões disputam entre si a posse da verdade, a postura
freudiana é esta: a religião é uma maneira de obter domínio sobre o mundo em
que vivemos, mundo perceptível, através do mundo dos desejos, que é
desenvolvido dentro de nós devido as nossas necessidades biológicas e
psicológicas. A religião, porém, não pode conseguir isso. Suas doutrinas
conservaram-se, estão presas à mercê dos tempos em que surgiram, tempo de
ignorância, de infantilidade da humanidade. Se viesse algum consolo disso, não
seria digno de fé. As experiências do dia-a-dia nos mostram que o mundo não é um
aposento de crianças. As exigências éticas sobre as quais a religião lança suas
bases, enfatizam a necessidade de lhes serem dados outros fundamentos; pois são
eles indispensáveis à sociedade e é por demais perigoso deixar a fé religiosa
se atrelar e obedecer aos princípios éticos.
Logo, para Freud (1936), tanto a religião como a ética não significam
evolução das civilizações; pelo contrário, representam um retorno a um passado,
ou um aprisionamento a um passado não evoluído. Dizendo ainda dos perigos das
proibições do pensamento pela religião essas proibições tendem a alastrarem-se.
Sendo ruim para o futuro da humanidade. E não só as proibições religiosas, mas
também morais e éticas; tudo aquilo que impede o homem de se expressar
livremente é ruim e acarretará o futuro da saúde mental do homem.
A religião situada, ligada à evolução, ela nada mais é que um equivalente
da neurose, pela qual o homem individualmente civilizado teria que passar no
seu transitar da infância à maturidade.
Freud fez também uma defesa em favor da ciência: havia os que acusavam,
naquele momento, que a ciência não respondia às perguntas e aspirações mais
profundas do ser humano, contudo, dizia Freud, que a ciência era muito nova
para ter tal pretensão. Porém, no futuro, quem sabe? Com a Weltanschauung da ciência, Freud respondia àqueles que a ela eram
contrários. E afirmava que a pesquisa científica é realmente árdua trabalhosa,
lenta, semelhante ao trabalho do artista que, ao modelar um bloco de mármore ou
de madeira, vai aos poucos dando-lhe a forma que imagina, pensa; pois a
inspiração ou concepção, é ainda abstrata. Vai-se tornando concreta à medida
que o artista vai pacientemente trabalhando e tornando possível, real aquilo
que, até então, estava apenas na sua imaginação. Isso ao homem que não tem
sensibilidade artística seria impossível acontecer.
O próprio Freud, na conclusão da Conferência
XXXV, afirma que a psicanálise não tem uma Weltanschauung própria e nem pretendia criar a sua individualmente;
a psicanálise queria, sim, submeter-se às exigências da ciência e, como tal,
desenvolver-se dentro do universo científico, como toda e qualquer ciência.
O Dicionário de Filosofia de Blackburm (1997), afirma que é a psicanálise
um método terapêutico das disfunções psicológicas, introduzido por Freud. Tem
como base a interpretação daquilo que o paciente fala enquanto faz ‘associações
livres’, isto é, enquanto relata o que lhe vem a cabeça.Do confronto entre
inconsciente e consciente, espera-se que surjam as melhoras ou a cura do paciente.
Na visão filosófica, a mente inconsciente, tão postulada pela
psicanálise, é controversa, pois implica em conceber uma mente separada,
dividida, e ter uma aplicação de um vocabulário mental (desejos, intenções,
repressão) reservado àquela parte da mente que não se tem acesso consciente. O
que nos resta saber é se tudo isto resulta apenas da utilização de uma metáfora
especial inofensiva ou de um mau entendimento filosófico sobre as propriedades
da mente.
Abbagnano, (2000), diz que a psicanálise compreende a designação: 1) um
método de tratamento de certas doenças mentais; 2) uma doutrina psicológica; 3)
uma doutrina metafísica; e, mais freqüentemente, certa mescla desordenada
dessas três coisas. Os fundamentos da psicanálise foram resumidos por seu fundador
Sigmund Freud, na introdução de uma de suas principais obras, da seguinte
maneira: 1) os processos psíquicos são em si mesmos inconscientes e os
processos conscientes são apenas atos isolados, frações da vida psíquica total;
2) os processos psíquicos inconscientes são, em boa parte, dominados por
tendências que podem ser qualificadas de ‘sexuais’, no sentido restrito ou lato
do termo. Este último pressuposto, na realidade, é a característica fundamental
da psicanálise, que consiste essencialmente na tentativa de explicar a vida do
homem (não só a pessoa individual, mas também a pública ou social) recorrendo a
uma única força, que é o instinto sexual ou libido.
Ainda, segundo Freud (1923, citado por Abbagnano,
2000), Ego e Id são uma teoria psicológica que foi bastante avançada para o
pensamento psicológico de sua época. Esta obra fez uma divisão do espírito em
três partes: a) ego, organiza a consciência e está em contato com a realidade;
b) superego, dá-se o nome de consciência moral, conjunto de proibições, leis,
normas; c) id se constitui pelos múltiplos impulsos da libido; está sempre
voltado para o prazer.
O próprio Freud revisou esta teoria, em 1926, e a mesma mostrou-se muito
útil tanto para descrever como para interpretar as doenças mentais e para a
teoria da personalidade. E, ainda, segundo Abbagnano (2000), Freud e seus
seguidores não apresentaram seus conceitos como hipóteses ou instrumentos de
explicação, mas como realidades absolutas de natureza metafísica. Pode-se
chamar de própria metafísica e até de mitologia a teoria formulada por Freud,
numa de suas últimas obras.
Abbagnano, (2000), trata a história da humanidade como a luta dos
instintos, o da vida (eros) e o de morte (tanatos). Nessa luta entre morte e
vida, segundo Freud (1923, citado por Abbagnano, 2000), é que consiste
verdadeiramente a vida. E por isso, o desenvolvimento da civilização pode ser
visto como a luta da raça humana para sobreviver, existir. Foi acusada a
doutrina psicanalítica de uma expressão não muito atualizada do dualismo
maniqueísta. A psicanálise deu a sua contribuição destacando-se em três pontos:
primeiro destaca a função da sexualidade em todas as manifestações da vida do
ser humano. Foi mérito de Freud tirar o fator da sexualidade da ignorância a
que estava submetida, tanto para a ciência como para a filosofia, e trazer os
seus reais problemas para serem estudados. Segundo, a psicanálise contribuiu
com um conjunto de conceitos que, embora não muito lógicos entre si, podem ser
utilizados por vários ramos da psicologia, atualmente. E, em terceiro lugar, é
mérito da psicanálise ter propiciado um instrumento de tratamento que continua
válido. Coube a Sigmund Freud a coragem e capacidade de levar as pessoas
histéricas a falarem de seus males e, assim, através da fala, chegarem à cura
de suas doenças.
Freud (1913, citado por
Castel, 1993, 1996), dizia que a filosofia deveria tomar partido com a
exposição da atividade psíquica inconsciente; na visão freudiana em ‘O
Interesse Cientifico da Psicanálise’, isso obrigaria a filosofia a tomar uma
posição. Ainda hoje, essa é a postura que a filosofia terá que ter em relação à
psicanálise. Isso ocorre, pois Freud, o pai da psicanálise, olhou com
desconfiança tanto para a filosofia como para a tradição filosófica.
Segundo Castel (1993, 1996),
Freud colocava a filosofia em segundo plano; a relação dele com os filósofos,
ou melhor, com o pensamento filosófico, era uma relação (só depois), poderia se
dizer, algo no sentido mesmo de desconfiar. Pois, a filosofia lida com o
consciente e a psicanálise com o inconsciente, desconhecido. Essa postura de
Freud é no sentido mesmo de privilegiar a psicanálise, dar a ela importância
maior, no que diz respeito que a mesma é uma ciência questionadora das
tradições, inclusive das correntes filosóficas; isso tinha como objetivo
reservar à psicanálise um status científico, coisa (o status científico) que
até Freud aparecer no cenário histórico, aos olhos dos filósofos, era
privilégio exclusivo somente daquilo que já estava estabelecido como ciência.
‘Tomar partido’; a filosofia, até então, tinha a supremacia sobre o
conhecimento; era exclusividade das correntes filosóficas a busca do
conhecimento. E a psicanálise veio com questionamentos, que, até então, a
filosofia não fizera em todo seu trilhar reflexivo. A psicanálise nasceu,
portanto, no seio da filosofia e passou, em alguns momentos, a ter postura
adversa a todo um pensar filosófico de então.
A psicanálise veio esclarecer
muitas coisas, que, até então (gênero de verdade), até ali, eram da alçada da
filosofia, e esta não se deu conta disso. Também, do lado da filosofia, a
psicanálise foi vista em determinados momentos como uma crítica à filosofia, no
sentido de que esta se constituiria uma filosofia da filosofia; quer dizer: no
próprio campo filosófico, algo viria a questionar tudo aquilo que, até então,
não fora preocupação de muitos nesse campo. A psicanálise, sem dúvida,
propiciou esse questionamento sobre a vida inconsciente do ser humano. E esse
questionamento seguiu um processo extremamente dialético: dentro do próprio
campo filosófico surgiu a crítica à própria filosofia, levando-a a pensar sobre
algo ainda não pensado, o novo proposto por Freud, a vida psíquica do homem. Os
segredos da mente humana e do inconsciente. Isto gerou, sem dúvida, inquietações,
conflitos e mal-estar entre a filosofia e a psicanálise. Isto foi mérito de
Sigmund Freud, levar as correntes filosóficas de sua época a uma reflexão por
algo que até aquele momento ninguém tinha se ocupado com ela. Isso foi, de
certa forma, uma violência ao pensamento de então, violência oculta. Que
proporcionou e levou o pensamento filosófico a uma nova postura. Freud, neste
sentido, foi o estranho pensador que todos passaram a se preocupar com as suas
afirmações e posturas, aprovando-as ou desaprovando-as; ele foi aquele que
incomodou verdadeiramente. E a filosofia e a psicanálise, em alguns momentos,
chegam a se entrelaçar, há, de certa forma, uma fusão nos modos de pensar
daqueles que delas se ocuparam. Contudo, a filosofia e a psicanálise, verdadeiramente,
têm algo que diverge entre elas: nesse cruzar da filosofia e da psicanálise,
nesse aproximar e afastar uma da outra a divergência se constata na perspectiva
do objeto de uma e de outra. A filosofia busca descrever o objeto conhecido; e
a psicanálise o desconhecido: inconsciente.
Para Penna (1994), os
conceitos básicos que se devem a Freud não são resultantes dos pensadores
gregos. Não se pode dizer, portanto, que há uma influência direta desses
pensadores sobre o fundador da psicanálise. A idéia de que os pensadores gregos
foram os precursores de Freud é descartável, no que se diz respeito à postura
psicanalítica. Se houver um precursor,
aqui, esse seria o próprio Freud, criador da psicanálise. Um precursor assim
seria um pensador de muitas épocas; da época do pensador e de outros
pensadores. O precursor é um pensador do qual alguém que cria uma obra, extrai
da sua muitos pontos para dar sustentação ao seu trabalho. A figura do
precursor, como é sabido, foi criada pelos próprios cientistas, devido à
necessidade de se apoiarem em figuras do passado, por não receberem apoio dos
contemporâneos. É exatamente o que fez Freud em ralação a Empédocles. Ao
desenvolver o conceito de pulsão de morte e ao se fixar no dualismo eros e
destrutividade (tanatos) não obteve o apoio de seus discípulos e seguidores.
Reporta-se, pois, a Empédocles, que ele certamente devia conhecer bem a linha
de pensamento para buscar respaldo para o argumento de auteridade. O que há
aqui é a reflexão sobre a relação de Freud com os pensadores gregos e não da
influência destes sobre o fundador da psicanálise. Isto é válido, quando se
pensa a relação de Freud com os pensadores contemporâneos a ele. Assim, para
ele, o que interessa é o que diz respeito à psicanálise, a relação desta com as
ciências humanas; para ele, todas as ciências deveriam ser reformuladas
profundamente, tendo em vista a introdução do conceito de inconsciente.
Ainda, segundo Penna (1994), para Freud a verdade é que a atuação
reflexiva do filósofo, tendo como objetivo a busca de uma visão plena e
abrangente da realidade, apresenta-se como um obstáculo ao trabalho científico.
A ação filosófica, de certa forma, não era eficaz à busca do conhecimento em
psicanálise. O objeto da filosofia ao tornar-se conhecido, se tornará,
portanto, perceptível; já o
inconsciente, na psicanálise, será sempre o inconsciente, o outro, o não
perceptível; filosoficamente, Freud estava absolutamente certo: descobrindo o
inconsciente do modo como ele o conceituou e o fundamentou de forma empírica,
isso se fazia necessário um repensar de todas as ciências, inclusive a
psicologia; e a filosofia poderia também dar a sua contribuição para isso; mas,
em muitas circunstâncias, fez foi dificultar com questionamentos não muito
plausíveis à psicanálise.
Ainda, de acordo com Penna (1994), a postura de Freud, em alguns
momentos, hostil em relação a filosofia, não o impediu, também, em outros
momentos, de a ela se referir para poder fazer considerações e afirmações e
usar recursos analíticos e filosóficos para ilustrar aquilo que convergia entre
psicanálise e filosofia. Relação de amor e ódio? Apesar da crítica freudiana à
reflexão filosófica e aos procedimentos especulativos, a verdade é que Freud
não descarta esses princípios de maneira radical. O fato é que a metapsicologia
por ele criada, com sua proposta de ir além dos fatos psicológicos
(corresponderia à metafísica na filosofia), tem muito de especulativo na sua
proposta investigativa e é, pelo próprio criador da psicanálise, apresentada
como sendo extremamente nova, inovadora e revolucionária, tendo suas raízes,
assim, em uma realidade juvenil do pensamento conduzido por ele próprio e muito
de elementos abstratos e especulativos na forma de pensar. Mas, tinha Freud,
sem dúvida, uma preocupação científica com a psicanálise. Esta não era uma
investigação qualquer; mas uma postura científica, como já visto na XXXV Conferência, quando a questão da Waltenchauung científica é tratada
(metapsicologia).
Segundo Penna (1994), Freud definiu sua metapsicologia como um esforço
científico para aperfeiçoar a metafísica. Assim, ele não negava a postura
filosófica, mas esta deveria ser aperfeiçoada cientificamente ou estar mais
aberta às questões científicas.
No que se diz respeito às relações entre Freud e a filosofia, ou os
filósofos gregos, vale ressaltar: a) Freud não recebeu nenhuma das suas
concepções da sua doutrina nem de Empédocles e nem de Platão; b) o recurso
voltado para a figura de Empédocles (busca de apoio reforço), é no sentido e
devido ao fato de não receber apoio de seus discípulos para sua teoria; c) a
convergência percebida entre as posições de Empédocles e Platão que Freud adere
entre a atividade intelectual e o discurso mítico; d) a linguagem do mito era a
própria linguagem do inconsciente, isto é, dos processos primários; e) as
concepções freudianas sempre expressaram essencialmente seu trabalho clínico
com os pacientes; e f) o conceito freudiano do inconsciente revela pouco
parentesco com a visão do inconsciente apontada por alguns pensadores, que é puramente
de caráter especulativo, sem nenhum embasamento empírico.
Freud (1930 , 1996), em O Mal-Estar na Civilização, nos faz refletir
sobre as três direções do sofrimento humano, onde, no entender dele, o homem
estará sempre esbarrando nas suas limitações humanas. A primeira realidade do
sofrimento humano, diz respeito ao próprio corpo, que caminha para a sua
decadência com a aproximação do envelhecimento e a degeneração. O homem caminha
para a morte. A Segunda limitação e forma de sofrimento, diz respeito ao mundo
externo; este, podendo voltar-se contra o indivíduo com esmagadoras forças da
destruição e impiedade; e, por último, a terceira forma de sofrimento se refere aos nossos relacionamentos com as
outras pessoas. E o sofrimento advindo dessa fonte, segundo Freud (1930, 1996),
poderá ser mais penoso que qualquer outro sofrimento. Esse sofrimento, sem
dúvida, pode ser pensado, pré-meditado da nossa parte em relação ao indivíduo,
como do indivíduo em relação a nós. E nessa relação de nossa parte para o outro
e vice-versa muitas tentativas, intenções, vontades, quereres e racionalizações
podem estar envolvidas, ou bem para um e mal para o outro e mal para o
primeiro. É, sem dúvida, o que Freud queria dizer quando falava da criação das
leis, normas e princípios éticos; esses são pensados para facilitar, com o
intuito de beneficiar o indivíduo, mas, na verdade, se tornam para ele uma
escravidão. Até mesmo antes da pessoa nascer, ela já está condenada a obedecer
normas e leis.
A vida humana em comum só se torna possível quando a maioria mais forte
se sobrepõe ao indivíduo; este, em relação ao coletivo, sai sempre perdendo.
Substituindo-se o poder individual pelo poder de uma comunidade, eis o passo
decisivo da civilização. O indivíduo vai sofrendo e recebendo da sociedade
(comunidade) aquilo que ele não quis e não pensou. Os princípios éticos e
filosóficos muito podem contribuir para a criação dessas leis (são
fundamentais), normas e princípios que contribuem para o mal-estar do indivíduo
que, por sua vez, contribui para o mal-estar na sociedade. Assim, está o homem
sempre procurando se libertar de algo que o angustia, o deixa infeliz e
desconfortável, é o homem que cria o mal – estar para o próprio homem. Nessa
crítica, Freud (1930, 1996) lembra, faz uma referência a afirmativa de Hobbes
(1588-1679), quando disse: homo homini
lupus (o homem é o lobo do homem). Filosoficamente, ao pensar normas e
princípios que dêem suas diretrizes à sociedade, o homem está criando embaraços
e mais sofrimento para os que virão depois. Não é assim o andar da história? O
homem em nome de um bem-estar pensado, querido e imaginado por um pequeno
grupo, que cria princípios, leis para que o homem seja feliz! Freud e Hobbes
não tinham razão? Em nome do bem-estar, proíbe-se o homem de ser ele mesmo e
esse homem reprimido vai cada vez mais se tornando estranho a ele mesmo. Assim,
o processo de desenvolvimento do indivíduo na busca da felicidade não é
impossível, mas é uma busca sofrida, uma luta de forças (Davi lutando contra
Golias: 1Sm 17,48s.), para lembrar uma passagem bíblica. Ao colocar o poder da
sociedade sobre o indivíduo, queria demonstrar que a relação indivíduo e
sociedade será sempre conflituosa, pois conflitivo é o homem; e, nessa busca de
realização, de prazer e de viver melhor, a angústia, o conflito e o
descontentamento estão presentes. O superego é formado e fortalecido exatamente
através dessa dinâmica, se o indivíduo nunca conhecer limites, ele nunca saberá
lidar com a frustração, a dor e a morte.
A questão ética ou a busca constante da felicidade
poderá acontecer nessa dinâmica constante do ego de se jogar no “mar bravio” em
busca de algo que, ao mesmo tempo, atenda às exigências do id e negocie com o
superego para que os dois sejam atendidos nas suas exigências; embora a
dialética ou a angústia do ego seja enorme, ele acaba sendo fortalecido também;
pois, querendo ou não, ele quer realizar essa tarefa inteligente, no sentido de
fazer essa negociação entre o id e superego.
O Mal-Estar na Civilização compreende que o homem está sempre criando,
recriando, buscando ser feliz e está sempre na mesma posição, descontente com a
sua realidade. Isto porquê o homem de hoje cria embaraços para o de amanhã ter
de enfrentá-los. E, assim, as dificuldades estão sempre sendo criadas e recriadas.(Freud,
1930-1996).
O presente trabalho tem como objetivo pesquisar,
apontar e identificar as relações, os conflitos e as contribuições entre a
filosofia e a psicanálise; e procurar perceber o que pode haver de importante
nessa relação.
Esta reflexão tem como objetivo falar das Relações, Conflitos
e Contribuições entre a Psicanálise e a Filosofia, ou entre aquela e esta. Se a
mesma conseguir apontá-los, com muita probabilidade cumprirá seu objetivo.
Para Gouhier (1986 / 2006), a filosofia investiga a verdade
suposta, que não ainda foi encontrada. Isto significa que a busca filosófica da
verdade acontece não no campo das certezas, mas das incertezas, mediante o
descontentamento daquele que aspira a verdade diante das “verdades’’ revestidas
de preconceitos que a vida nos apresenta. E a psicanálise neste sentido? O que
ela pode ter em comum com a busca filosófica da verdade?
Freud, ao elaborar, criar o termo metapsicologia (que pode
ser equiparado ao termo metafísica em filosofia), tinha como objetivo descrever
todo um processo mental humano .
Donde poderá vir o questionamento; conhecer na visão
filosófica e conhecer por meios e métodos psicanalíticos terá muita diferença
entre um modo de conhecimento e outro?
Tentando refletir sobre este ponto de vista, pode-se dizer
que a filosofia procura a verdade, de maneira geral, na política, na história,
etc. A filosofia tem uma preocupação mais abrangente: isto é, com o todo.
Enfim, procura descobrir, conhecer e desvendar o emaranhamento do pensar humano
e as suas realizações, o seu agir cotidiano, portanto. A atividade filosófica
consiste em perguntar, admirar a realidade. E a metapsicologia (psicanálise)
tem como objetivo conhecer a verdade de cada um; o que acontece no mundo
individual de cada pessoa. Também a filosofia exerce essa função do
questionamento individual, mas quando ela se volta para o particular.
Tanto a filosofia como a psicanálise não têm como afirmar,
dizer algo sobre a verdade antecipadamente. Tanto uma como a outra só podem
dizer algo sobre alguma coisa, só depois. Assim, ambas podem mutuamente
contribuir para o conhecimento, a verdade acontecer.
O que pode aproximar cientificamente a filosofia e a
psicanálise?
Para
Clavreil (1978), o discurso moderno, típico da ciência como seu representante,
que possui incidência maciça e direta sobre o dia-a-dia de qualquer indivíduo,
prima por ignorar a subjetividade tanto do sujeito, paciente, que está aí à sua
frente, como também do médico, que deveria escutá-lo. Esse discurso
médico/científico é digno de preocupação. Como resultado dessa relação,
truncada ou inexistente, surge a pretensa objetividade do cientista (médico),
que traz em seu bojo a abolição da subjetividade do autor, ou dos autores – do
que está aí para falar de sua dor e do que aí está e deveria escutar aquele que
está à sua frente para falar. Assim sendo, vê-se que não há uma busca da
verdade na relação paciente/médico, mas um calar-se diante dela, sobretudo no
que diz respeito ao paciente.
Diferentemente,
tanto o discurso filosófico como a psicanálise, são radicalmente opostos ao
discurso, a busca da verdade e a postura da medicina, ou seja, tanto a
filosofia como a psicanálise primam pelo discurso subjetivo, enquanto a
medicina o anula, o sufoca.
Neste
sentido, tanto a psicanálise como a filosofia instigam, fazem com que o
indivíduo fale; procuram provocar a fala do sujeito, o dizer, o verbalizar, o
expressar-se, seja de que forma for é muito importante, é essencial e louvável,
tanto para uma como para outra, a ciência do consciente (filosofia), como a
ciência do inconsciente (psicanálise).
Tanto a
filosofia como a psicanálise, embora em determinados momentos tenham suas
divergências, no que diz respeito à busca da verdade e do conhecimento,
valorizam, contudo, a subjetividade do indivíduo que está aí a sua frente, que
está aí para ser conhecido. E é exatamente essa subjetividade que é preciosa
tanto à filosofia quanto à psicanálise. A filosofia, pode-se dizer assim, busca
uma verdade universal do homem, do mundo, das coisas; e a psicanálise busca uma
verdade particular, individual , advinda de cada sujeito, das regiões mais
recônditas e inimagináveis do seu inconsciente. Aquilo que está sob camadas
sobrepostas do seu existir, que o sujeito jamais teve ciência ou imaginava que
existisse ou pudesse existir.
As
críticas supracitadas, feitas ao cientificismo médico, são também ratificadas
por Lacan (1998), em sua obra, Escritos,
quando afirma que o homem que faz a ciência muitas vezes fica subjugado a ela;
quando, na verdade, quem deveria sobressair é o homem que faz a ciência. Isto
não se trata, evidentemente, que o homem tenha uma postura anticientífica
perante os fatos e a vida, mas trata-se desse homem, sujeito de sua história,
não um ser submisso a uma pretensa ciência mecanicista e reducionista, com uma
visão de mundo apenas laboratorial, que não é capaz de enxergar além.
Ainda,
na visão de Lacan (1998), os ideais do cientificismo campeiam por todo
pensamento humano; logo, para ser ciência, o pensamento, ou a descoberta, terá
que estar enquadrada, bitolada dentro dessa visão técnico-científica.
Entende-se que essa postura Lacaniana leva
a um questionamento muito importante, no sentido de perceber que a visão
positivista de ciência não é benfazeja à história e ao desenvolvimento do
pensar humanos. Pois, ser científico, ou partidário da ciência, não quer
significar reduzir a realidade, as coisas e o agir humanos a uma pequena visão
reducionista e laboratorial. Lacan, citando Freud, fala dos desvios a que essa
visão limitada de ciência se prestou e como Freud, bravamente, se opôs a isso,
com firmeza, sem retardos e com rigor flexível. Freud, assim, sem fugir do
rigor científico, não se deixou levar pelo cientificismo da sua época; e
batalhou com vigor para que a sua ciência, por ele descoberta, defendida e
seguida por seus adeptos, não caísse no modismo de então, mas, também, não se
tornasse vulgar ou anti-científica. A práxis psicanalítica e a clínica não nos
deixam dúvida quanto ao rigor científico de Freud; a seriedade com que ele
tratava das questões humanas, do que é revelação inconsciente que está presente
no “homem consciente’’.
Freud
(1936) afirmava que a pesquisa científica é trabalhosa e árdua; lenta como o
trabalho do artista que vai modelando no bloco de mármore ou de madeira o que
antes estava apenas na sua imaginação.
E o
conhecimento filosófico como se dá?
Sócrates
comparou a busca do conhecimento ao processo, ou trabalho de parto (maiêutica).
É algo que custa, é trabalhoso, difícil e exige persistência. Procurar conhecer
é passar por um processo sofrido, assim como a mulher passa pelas dores de
parto. Quando a criança nasce saudável, bonita, a alegria chega à casa.
O
filósofo é aquele que ama a sabedoria, que tem amor pelo conhecimento. Assim,
quando se propõe a procurar a verdade, o saber, faz um esforço grande e árduo,
tão sofrido quanto a mulher que passa pelas dores de parto. Mas, quando
descobre algo novo, o prazer, o contentamento e a alegria o deixam cheio de
satisfação, devido dar, assim, à luz a algo novo.
A
filosofia e a psicanálise ora se aproximam, ora se afastam e se distanciam; ora
se mesclam, podem até se confundir. Uma não é a outra; contudo, uma está
contida na outra. Isto quer dizer que a psicanálise está contida dentro do
grande campo filosófico humano. Elas, às vezes, entram em conflito e podem até
se contradizer. Ao se olhar para a história da filosofia, desde os primórdios
até contemporaneamente, não se percebe avanços, recuos, contradições e
conflitos dentro do próprio campo filosófico? Isto é o pensar humano.
Para
Lamaigre (2005) as relações da filosofia e da psicanálise são estreitas,
complexas e cheias de conflitos. Tanto Freud, olhando do lado da psicanálise,
como Lacan e muitos outros nunca se esquivaram a se situarem em relação a
filosofia, a utilizá-la. Também filósofos não foram e não são diferentes em
relação à psicanálise. As atitudes dos mesmos, em relação à psicanálise, é de
fascinação e de desconfiança, subordinando-a, muitas vezes, aos seus próprios
caprichos e interesses, sem, muitas vezes, se darem conta se a contestam,
rejeitam ou a aprovam.
Partindo
dessa visão de Lamaigre, isso acontece também em outras ciências. Não só a
filosofia como também a política, economia, etc, criticam quando querem tirar
proveito da psicanálise, quando esta lhes convém. Admiram-na, mas atiram-lhe
pedras.
Segundo
Garcia-Rosa (1991 / 2001), citando o pai da psicanálise, este chamou a
metapsicologia de bruxa. O próprio criador, já no seu tempo, experimentou na
carne como sua obra lhe trouxe dores de cabeça e desconforto, muitas vezes; a
psicanálise é assim, esse jogo de duplicidade. Ela provoca nas pessoas essa
relação dúbia. Essa relação ou esse trilhar da psicanálise consta de avanços e
recuos, além de descaminhos, também. Se a própria psicanálise no seu acontecer
é assim, não seria de se estranhar que as ciências que com ela se relacionam
também entrem, se deixem contagiar por esse ser psicanalítico!
Ainda,
na visão de Lamaigre, se os pensadores estão de acordo e reconhecem que a
questão do inconsciente foi proposta antes de Freud, porém, o sentido novo e a
ressurreição freudiana do termo, são, sob diversas maneiras, avaliados de modos
diferentes por cada um. Isto é, cada um dá uma interpretação do modo como lhe
convém. Freud não concordava, contudo, com a interpretação dada ao inconsciente
pelos filósofos. Na afirmação de Lamaigre, para Freud, a interpretação do
inconsciente pela filosofia era por demais romântica e mística. Partindo-se
dessa afirmação de Lamaigre, filosofia é filosofia e psicanálise é psicanálise.
Quando uma entra no terreno da outra pode haver acertos, erros, contradições,
etc. Isto acontece, sem dúvida, no campo das ciências; quando um economista
entra no campo da medicina erros podem ocorrer, bem como quando um cientista
político entra no campo jurídico ou em outros campos quaisquer que ele não
tenha domínio. Os filósofos ignoravam a atitude psíquica do inconsciente; não
respeitavam e não tinham noção sequer – muitos deles – de que ponto os
fenômenos inconscientes se aproximavam dos fenômenos conscientes e como destes
se distinguiam ao mesmo tempo (processos primários e secundários). Só quem
conhece e passou por experiências clínicas como Freud, tem verdadeiramente
autoridade moral, ética e vivencial para falar de tais questões. Tanto os
pensadores daquela época quanto os atuais não tinham e não têm tal experiência,
devido não terem passado por um processo analítico. Ainda hoje é assim, a
experiência confirma isto; é diferente quando se fala de algo, com o
conhecimento de causa, e quando se diz algo, dando apenas palpites ou supondo
saber sobre uma tal realidade e emitir idéias sobre ela.
O pai defende a causa do filho, aqui, no
caso, da filha. Freud chamara para si a defesa da ciência por ele criada e não
permitiu que a mesma fosse tratada de qualquer maneira. Isso se mostra muito
sistemático e patente quando na XXXV
Conferência ele fez a defesa da Weltanschauung
psicanalítica, ou melhor dizendo, quando ele a elevou ao status científico.
Reclamou esse status com a postura da cosmovisão para a ciência jovem, por ele
criada, e que estava, naquele momento, sendo defendida por ele e por seus
adeptos.
Para
Lamaigre (2005), Freud salientava assim o paradoxo filosófico, no sentido do
desejo de uma visão totalitária e unificada das coisas, e o cunho eminentemente
individual de sua obra. Achava ele que a psicanálise poderia desvendar a
motivação subjetiva e individual de doutrinas filosóficas.
Depreende-se,
portanto, que os objetivos são divergentes: a filosofia se preocupa com o
consciente, as coisas dadas para serem conhecidas, e a psicanálise tem como
objetivo o inconsciente, o que se apresenta desvelando-se de maneira fugidia,
que o sujeito não se dá conta de tal realidade. Esse outro, o inconsciente, é a
terceira realidade que se apresenta entre analista e paciente; está presente e
ausente. É o constante outro que entra e sai da relação e que, na maioria das
vezes, pode não ser percebido por quem diz “algo” e nem por quem “ouve’’.
Reconhecer,
portanto, os processos do inconsciente é, sem dúvida, admitir e aceitar a não
possibilidade de pura transparência da realidade e do pensamento pelo próprio
pensamento. Partindo da interpretação da arte proposta por Freud, a filosofia e
a obra filosófica poderiam ser consideradas de maneira menos negativa: como uma
obra de arte intelectual. E Freud dá testemunho disso quando cita, em várias
circunstâncias e períodos de sua obra, gente da literatura, da filosofia e da
cultura de seu tempo. Quer aceitemos ou não, ele fez a diferença no seu momento
histórico. E, o que é maravilhoso, é que o seu pensamento cem anos depois
continua atualíssimo. Não se apaixonar pela beleza, desenvoltura e leveza do
pensamento freudiano, seria como entrar num rio caudaloso e não se deixa
molhar. É só lê-lo para constatar se isto é fato ou não.
Ainda
na visão de Lamaigre (2005), a psicanálise se apresenta ao pensamento
filosófico como algo que constantemente causa estranheza e é de difícil
integração ao pensamento racional. Aqui se destacam duas posições; uma, como
contribuição, no sentido de estar constantemente questionando a filosofia, de
não deixá-la se acomodar; sendo a psicanálise a bruxa, no dizer do próprio
Freud, essa bruxa tende sempre a provocar inquietações naquilo que
aparentemente está estabelecido e certo. A bruxa vem para inquietar. Uma outra
idéia é no sentido de que, nessa relação conflitante entre inconsciente e
consciente, a psicanálise provoca sempre, traz à tona essa realidade escondida,
provoca e contribui com a filosofia no sentido de levá-la a perceber esse lado
presente/ausente do sujeito presente, o inconsciente humano. Pode-se dizer,
assim, que a psicanálise não deixa a filosofia se dogmatizar. E provocando essa
inquietação no seio filosófico, ela contribui para que o pensamento humano não
seja tão inocente. Até mesmo dentro das correntes filosóficas isso é aceito,
quando se trata do dogmatismo e do criticismo.
Hessen,
(1979), coloca que o criticismo age em relação ao movimento filosófico chamado
de dogmatismo como algo que está constantemente questionando, reexaminando
posturas dogmáticas. Depois do surgimento do criticismo, o dogmatismo passou a
ter constantemente cravado no peito um punhal que o inquieta, incomoda e o faz
ver e rever suas posições e afirmações.
Não
seria essa a postura de Freud em relação aos pensadores de sua época? Alguém já
se perguntou: como filosofar depois de Freud? (Monique Schneid, 1989). Tentando
responder a isso, as respostas serão diversas; e, sem dúvida, uma delas será no
sentido de afirmar que tanto a filosofia como a psicanálise entram no terreno
uma da outra, sem, muitas vezes, pedir licença; pois, filosofar, o homem faz
isso desde que começou a se perguntar sobre a razão e o porque das coisas. E a
psicanálise existe desde que o homem começou a se perguntar o que acontece com
ele, porque muitas vezes ele está bem consigo e em outras situações está
angustiado, frustrado, etc.
Usando
uma expressão popular, essa relação filosofia x psicanálise é tão antiga como a
relação ‘ovo x galinha’: quem veio primeiro? Tem como separar uma da outra?
Ainda
no pensamento de Lamaigre, a discussão entre psicanálise e filosofia permite à
psicanálise compreender melhor o seu status ambíguo, contraditório, distante /
presente entre ciência e história / ficção.
Também
a filosofia, olhando-se por esse ângulo, embora sendo mãe das ciências, deveria
fazer um constante debruçar-se sobre a verdade, reflexões e conclusões, tendo
em vista o constante questionamento da psicanálise e levando em conta que
ciência nenhuma é absoluta. A riqueza do conhecimento está exatamente nesse relacionar-se dos saberes. Usando uma
metáfora, a verdade não está do outro lado do rio nem do lado de cá; a verdade
está dos dois lados e no meio do rio, também.
A psicanálise, como ciência, no seu
acontecer, encontrou também, como qualquer outro saber, adeptos e adversários;
houve aqueles que a mal-disseram e aqueles que a bem-disseram; uma dessas
figuras do bem dizer psicanalítico, sem dúvida nenhuma, foi Lacan.
Para
Miller (1984 / 2002), a primeira teoria da psicanálise que Lacan empreendeu,
desenvolvendo-a depois da guerra, após 1945, fez do imaginário a dimensão
própria da experiência analítica. Assim sendo, Lacan não é o criador da
psicanálise, evidentemente; mas, após enfrentar sérias oposições dentro do
próprio campo psicanalítico, ele se tornou grande cooperador, dando uma
contribuição enorme à reflexão psicanalítica.
Como,
então, rebater as críticas dos opositores de que a psicanálise não responde às
expectativas, que é lenta e que está superada?
Ainda
na visão de Miller, Lacan era um médico psiquiatra, nada diferente de Freud, e
que, depois de sua tese e sua entrada em análise, criou uma espécie de
metateoria, depois de 1974, firma-se no seu fundamento: a tripartição do real ,
o simbólico e o imaginário.
Aqui
caberia, sem dúvida, um questionamento: como duvidar, ou não dar crédito à
postura psicanalítica, tendo em vista que o seu criador foi médico e seus
colaboradores também? Inclusive Lacan, bem posteriormente? Se o requisito para
dar crédito for o embasamento científico, aí está.
Ainda
pode-se dizer que essa quase metateoria de Lacan, para falar das coisas
psicanalíticas, pode ter algo a ver com a metapsicologia freudiana. Só que a
metateoria lacaniana não é tão explícita como a metapsicologia em Freud. Este
comprou e chamou a si a responsabilidade quando equiparou a metapsicologia ao
que era científico naquele momento. Basta-se perceber a defesa que ele faz da
metapsicologia, elevando-a ao nível de weltanschauung
(cosmovisão), na XXXV Conferência.
Certamente, nem a metapsicologia nem a metateoria lacaniana poderão ser
testadas e justificadas laboratorialmente. Mas, que dizer de tantas e tantas
experiências acontecidas entre as quatro paredes das clínicas, das escutas
acontecidas tanto por analistas como por analisantes? É pouco? Ou teríamos que
chegar ao tecnicismo, criticado por Aldous Huxley, em 1932, há setenta e quatro
anos atrás, em sua obra Admirável Mundo Novo? E não seria isso o que acontece
na atualidade, quando se quer resolver as coisas? Respostas rápidas, resultados
rápidos. E a psicologia, está isenta de tudo isso? Responder, e responder;
atender à demanda, isso é o que acontece ou não?! Essa não é, certamente, a
proposta psicanalítica.
Ainda
refletindo sobre a postura de Huxley (1932 / 2005), sua obra citada acima foi
considerada uma antivisão de um futuro cientificista e tecnicista, o qual
produziria uma sociedade totalitária e desumanizada. Imaginemos 1932, há
setenta e quatro anos atrás, Huxley teve essa idéia brilhante em alertar a
sociedade de sua época para questões tão importantes. A obra é considerada, por
alguns, de ficcionista, no que se refere às questões científicas e
tecnológicas. Será mesmo uma obra de ficção? Hoje, quando se vai a uma agência
bancária ou ao médico ou se está na fila do INSS (Instituto Nacional de
Seguridade Social), o que é que se recebe, não é uma senha?! A pessoa, seu
nome, sua identidade, não é ignorada? Quando se faz uma consulta, o médico
escuta verdadeiramente a queixa do indivíduo que está doente, o que ele está
sentindo? Ou antes de pessoa terminar de dizer o que a incomoda, o médico não
já lhe dá a receita?! É triste, mas é real! Também Clavreul (1978), na sua
crítica ao discurso médico, compartilha com a idéia de Huxley ao afirmar que a
sociedade no seu tempo estava se conduzindo a um futuro desumanizante.
Aí cabe
o questionamento: em que sentindo a obra de Huxley é ficcionista, no que diz
respeito à ciência, à técnica e às relações humanas?
Pode-se
dizer que a obra Admirável Mundo Novo, na sua época e hoje, continua
denunciando a ciência pela ciência e a técnica pela técnica. Se as mesmas
fossem apenas para demonstrar capacidade e exibir conhecimentos, e não tivessem
como primeira preocupação o bem-estar humano, o nosso futuro seria bem pior do
que se constata atualmente: o indivíduo isolando-se, sendo substituído por
números, sinais e crachás!
A
leitura de Admirável Mundo Novo, na década de oitenta, permitiu perceber como o
livro dava uma visão de futuro e demonstrava uma preocupação muito grande com o
ser humano e seu futuro. Não é necessário dizer que naquela época os
computadores ainda estavam começando a aparecer. Imaginem se Huxley escrevesse
sua obra hoje! Porém, aqueles e aquelas que não são fechados(as) à realidade,
poderão, sem dúvida, utilizar-se das benesses científicas e tecnológicas, sem
se deixarem escravizar por elas. A ciência e a tecnologia se impõem na nossa
vida, hoje, como verdadeiros impérios; não é o homem que as domina; mas elas se
impõem ao homem. Não é necessário citar quem detém o controle e mantém o
monopólio científico/tecnológico.
Milan,
(1979), aborda muito bem esta questão, quando fala das artimanhas e astúcias do
poder, exercido na umbanda, no asilo, na iniciação e na instância religiosa,
portanto. Mas, os impérios criam também seus deuses. Não seria isso o que
acontece com os laboratórios fabricantes de remédios, para manterem o controle
no mercado, das pessoas e visarem o deus do capital, o lucro, o que é mais
cobiçado por eles?
O
sujeito que procura um psicoterapeuta não tem, muita vezes, o discernimento
necessário para fazer uma distinção entre uma psicoterapia e outra. A alienante
ou aquela que pode levar o indivíduo a falar, dizer, bem-dizer; as
psicoterapias que não levam o indivíduo a falar podem se tornar um “saber”
massacrante, que não revela e não desvela e muito menos levará o sujeito a
ouvir-se, escutar-se. Os impérios dos laboratórios farmacêuticos, o poder que
está aí, anuviado por trás deles, se impõe cada vez mais com os seus “saberes”,
fazendo com que as pessoas se deixem levar por suas ideologias do poder-“saber”
e se conheçam verdadeiramente. Anular a consciência com doses altas de remédios
e drogas é a melhor maneira para manter as pessoas sob os seus domínios. O bom
psicoterapeuta deverá estar atento a isso.
E as
psicoterapias? (Clavreul, 1978), citando Freud, na sua obra sobre o presidente
Wilson, fala-nos que Freud reclama o direito à subjetividade. Na análise, não
se vai dizer o que a pessoa deve ou não fazer; ela, sem dúvida, ao ser escutada
e se escutar, irá moldando, dando um rumo à sua vida e irá tomando as suas
decisões. No dia-a-dia, em muitas situações, nós também, em momentos cruciais,
não temos que tomar decisões e ter uma postura frente aos fatos e
acontecimentos?
Roudinesco
(1999), fala de como a psicanálise parece ser hoje em dia, ainda muito mais atacada,
pelo fato de haver conquistado seu espaço através de sua singularidade, tendo
em vista a experiência subjetiva que coloca o inconsciente, a morte e a questão
da sexualidade no cerne da alma humana. Ela alerta para questões de fundamental
importância na vida do homem. Não tem como se tratar o homem ignorando coisas
que lhe são fundamentais: individualidade, sexualidade e subjetividade. Ela nos
leva a refletir sobre a atenção que se deve dispor ao homem antes de levá-lo a
consumir drogas que nos são impostas garganta a dentro pelos fabricantes de
remédios. É evidente que a droga tem a sua importância, mas, a dor humana deve
ser esquecida? E se o homem vier a esquecer a sua dor (se isso for possível) e
esquecer a dor do seu semelhante, ele não se tornará o homem mecânico,
robotizado, aquele denunciado por Huxley?
Segundo
Mendonça (1996), caminhar, viver não significa percorrer um caminho traçado
antecipadamente, mas é, sem dúvida, construir o seu, cuidando da saúde,
cuidando de refinar a sensibilidade, disciplinando a vontade, fazendo
exercícios da inteligência e, tudo isso, se destinando a dar um sentido à vida,
que nos faça ter orgulho de sermos miseráveis, perecíveis, mas, ao mesmo tempo,
aceitarmos a grandeza com humildade de sermos racionais, conscientes e chamados
a um destino espiritual, cujo mistério não nos é permitido discernir
completamente, ainda.
Desse
modo, caberia aqui a pergunta: as grandes figuras da história, sonhadoras,
pessoas que não se contentavam com as coisas dadas, prontas, não se enquadravam
dentro dessa afirmativa de Mendonça? Não construíram o seu próprio caminho?
Concluindo, os grandes pensadores como Sócrates, Platão, Marx, Freud, não
teríamos como citar a todos, as grandes figuras não estariam nesse descobrir
caminhos novos? É, filosofar pode até ser ‘viajar’, mas, se muita gente não
tivesse ‘viajado’ na história, o que seria da vida, da ciência e do mundo,
atualmente?
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